Existe uma contradição muito interessante na sociedade em que vivemos, digna de ser observada. Por algumas razões convencionou-se que o “livre pensamento” é um importante ideal a ser buscado, ao mesmo tempo em que se deve lutar contra o pensamento dogmatizado, o pensamento “limitado”. Razões para esta tendência não são difíceis de apontar. O ser humano anseia por liberdade, e nossa memória histórica nos ensina que experiências ditatoriais não são boas, e devem ser preteridas.
Agora, por mais contraditório que isto possa soar a princípio, qualquer pensamento verdadeiramente livre precisa ter alguns limites a fim de que seja um pensamento sadio. Um pensamento não limitado à lógica não é um bom pensamento, mesmo que seja livre. Eu diria de igual modo que um pensamento não limitado ao bom senso não é um bom pensamento, mesmo que livre. Pensamentos assim (se é que ainda podemos chamar de “pensamento” um movimento mental não limitado à lógica ou ao bom senso) são tão livres e anárquicos quanto um quarto bagunçado. Parece-me necessário alguns limites ao pensamento a fim de que ele seja mais do que livre, mas seja também organizado, concatenado, sóbrio, objetivo, prudente e muitos outros adjetivos que poderiam aqui ser citados.
Todos os adjetivos acima são importantes, mas curiosamente nenhum deles recebe tanto apoio popular quanto o “livre pensamento”. Se por um lado (o da praticidade) eu posso simplesmente denominar esta tendência de busca do “livre pensamento” como moda, por outro lado (o da conclusão após uma reflexão) eu também posso fazer o mesmo. Nos dias de hoje “livre pensamento” é pouco mais do que uma moda. É legal, é diferente, ser um “livre pensador”. Todo “livre pensador” se destaca dos demais “manipulados”, e em uma sociedade bombardeada diariamente com propagandas que afirmam que você precisa ser “único” (e que só será único se comprar aquele produto X), o ideal do “livre pensamento” como parte da busca pela individualidade tem um terreno fértil para se desenvolver.
Mas como tudo o que é moda, a moda do livre pensamento não apresenta muita profundidade sobre aquilo que comenta ou critica. O fato de um popularizador não rigoroso em seus estudos como Richard Dawkins ser herói destes “livres pensadores”, e o fato de milhares de adolescentezinhos revoltados repetirem algumas frases suas acreditando piamente, ao agirem assim, que estão passando por cima (como “vencedores”) de cerca de dois milênios de estudos filosóficos sobre o fenômeno religioso no mundo, é, por si só, uma evidência incontestável do meu ponto. Eu adoro perguntar a críticos da Bíblia (aqueles que alardeiam aos quatro cantos o rigor histórico a la Dan Brown) quantas vezes eles já a leram com objetividade (isto é, leram deixando suas paixões céticas de lado), e os resultados são bem engraçados, embora previsíveis.
Citei “adolescentezinhos” no parágrafo acima de propósito. Uma breve pesquisa em fóruns de discussão dos “livres pensadores” mostrará que a grande maioria dos participantes tem entre 12 e 18 anos. A grande massa desses “livres pensadores” é formada por nada mais do que adolescentes rebeldes que, como típico de sua rebeldia adolescente, simplesmente questionam sem nenhum tipo de reflexão ou profundidade tudo o que as pessoas “normais” tomam com apreço. Não é de se surpreender, afinal de contas, que a religião seja o grande alvo destes “livres pensadores”. Faça o mesmo teste citado a pouco sobre o perfil dos participantes de fóruns ateístas e se surpreenda com a quantidade de adolescentezinhos rebeldes que você encontrará lá.
As palavras abaixo foram escritas por um blogueiro ateu. (Seu blog, infelizmente, saiu do ar.)
O problema é que, hoje em dia, com o advento do orkut e da Maldita-Inclusão-Digital, abriu-se um leque de possibilidades para qualquer cretino que fique descontente com sua religião: se você se sente p*** com seu deus, basta virar ateu. Temos infinitos bastardos espalhados pela Internet que sequer sabem alguma coisa a respeito do Ateísmo (seus fundamentos filosófico-científicos, por exemplo) e que começam a dar apoio aos cretinos que ficam putos com suas religiões. O que isso dá? Merda, é claro! [...]
Um paupermens é um indivíduo completamente inútil: diz-se ateu quando, na realidade, a melhor definição para ele seria “adolescente revoltado”. Podemos notar isso ao vasculhar as enquetes orkuteanas sobre “Qual é sua faixa etária?”. Pelo menos 80% dos “ateus” respondem “Entre 14 e 17 anos”. E, para piorar, há os campeonatos sobre “Quem virou ateu mais cedo”: pessoas dizendo que se tornaram atéias aos 12 anos de idade através de “reflexão própria” e outros artifícios mais místicos do que racionais. Como se algum jovem de 12 anos estivesse preocupado com as profundas questões filosóficas que levam o mundo pro buraco a cada geração que passa.
Contudo a adolescência não é o principal motivo da falta de profundidade e de rigor no tal movimento do “livre pensamento”. Existem e sempre existiram adolescentes gênios. O problema está exatamente no fato do “livre pensamento” ser uma moda. A geração dos “livres pensadores” é a mesma “geração twitter” que não tem paciência para ler mais do que 4 ou 5 parágrafos sobre qualquer assunto (para os quais os 140 caracteres do twitter são o céu). Existe um pragmatismo danoso (pois também existe o bom pragmatismo) que dita que a leitura de um texto de um popularizador é suficiente para “refutar” (e como essa palavra é usada hoje em dia!) trabalhos acadêmicos rigorosos e profundos de centenas de páginas e que demandaram décadas de pesquisa.
Esta situação torna possível (e para os “livres pensadores”, louvável) que perguntas como as seguintes sejam tomadas como “refutações espetaculares” de que a crença em Deus é “irracional”: “Pode um ser onipotente criar uma pedra tão pesada que nem um ser onipotente pode levantar?”, “Pode um ser onisciente conhecer uma proposição que ele não saiba?”, “Quem criou o ser que não foi criado?”. (O fato das palavras “irracionalidade” e “falácia” serem despejadas sem nenhum cuidado de explicar o que está sendo tomado como “razão” ou “atividade racional”, ou sem nenhum conhecimento sobre as regras da lógica, é mais uma evidência de que simplesmente não há profundidade no movimento do “livre pensamento”.)
Mas, a fim de concluir esta reflexão, pois não é difícil observar a falta de profundidade do movimento do “livre pensamento”, é preciso voltar aos parágrafos iniciais. Não basta ao pensamento ser simplesmente “livre”, pois ele pode se libertar demais ao ponto de simplesmente deixar de ser pensamento. Existe uma categoria que encerra as coisas chamadas “pensamentos” e as diferencia das coisas chamadas “instintos”. Qualquer pensamento precisa de alguns limites (como o limite da lógica e do bom senso) para que continue a ser pensamento. E por mais que todos sejamos livres para levantar questões sobre quaisquer questões que quisermos (este texto é um exercício desta liberdade), acredito que falta à esta turminha do “livre pensamento” um pouco mais de respeito em relação a aqueles que têm estudado durante décadas as questões que eles pensam estar refutando com meras piadinhas e sarcasmo de 140 caracteres.
De Eliel Vieira
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