“A pergunta é: Quanto dessa fé persistente o Filho do Homem vai encontrar na terra quando voltar.”
 
 É impressão minha ou está se tornando comum hoje em dia dizer que não  é preciso orar, que oração é tudo que fazemos, o tempo todo? É  impressão minha ou a oração está desaparecendo da experiência cristã,  principalmente entre os cristãos pensantes ou reflexivos?
 
 Duas décadas atrás, Caio Fábio já sinalizava este fenômeno, chamando  esta geração de “uma geração que desaprendeu a orar” em seu livro Oração  Para Viver e Morrer. As causas para isto, apontadas por ele na época,  eram: a sociedade moderna, a miséria de muitos, a dicotomia orar ou  fazer, a teologia liberal e o pentecostalismo sem piedade. 
Se ele  estava certo (e, em minha opinião, estava), não é nenhuma surpresa que a  oração esteja desaparecendo rapidamente da prática cristã atual.
 
 Uma das razões que ouço pela qual pessoas se recusam a orar é que,  segundo elas, a oração se tornou um ritual religioso. E esta é a geração  que tem alergia a rituais e total desprezo por religiosidade. Toda a  nossa vida deve ser uma oração, dizem eles.
 
 É verdade que o apóstolo Paulo falou sobre orar o tempo todo em  espírito e certamente muito do que se chama de oração não reflete o  ensinamento bíblico. Mas é preciso ser muito ignorante da Bíblia (ou  rejeitá-la por completo) para assumir uma postura tão reducionista em  relação a oração.
 
 Osmar Ludovido em Meditatio reconhece a tensão e equilíbrio que  existe entre a oração privada e pública, entre a vida comum na igreja e a  vida interior do cristão. Segundo ele, “a ênfase e valorização de  apenas um desses aspectos em detrimento do outro conduz,  inevitavelmente, ao empobrecimento da vida cristã.” Ele diz: “Manter  comunhão e orar com a igreja nos ajuda a crescer na fé, na esperança e  no amor, mas nada substitui a necessidade irresistível do recolhimento  para dialogar com Cristo na intimidade do coração.”
 
Jesus e a oração
 
 Basta olhar para a vida de Jesus para entender o que é oração e como  deve ser uma vida de oração. Jesus orava, muitas vezes sozinho, separado  da agitação do cotidiano, outras vezes em público, na presença de seus  discípulos e até das multidões que o seguiam.
 
 Quando os discípulos vieram a Jesus e pediram-lhe: “Mestre,  ensina-nos a orar”, Jesus não respondeu-lhes dizendo: “Orar? Pra que?  Vocês  já estão orando quando estão conversando uns com os outros,  quando estão apreciando a natureza, quando estão tirando uma soneca…” Em  vez disso, Jesus deu-lhes instruções bem claras sobre como orar. Por  meio de sua vida e seus ensinamentos, Jesus nos orienta quanto ao  conteúdo de nossas orações, quanto a atitude com que devemos orar e com  que frequência orar. Jesus nos manda orar (sim, ele dá uma ordem!).  Dizer que está seguindo Jesus e, ao mesmo tempo, não se dedicar a  prática da oração é um contra-senso.
 
 Mas o que é oração? Por que orar? Como orar?
Oração é comunicação com Deus
 
 O monge beneditino alemão Anselm Grün diz que a oração é um diálogo  entre o homem e Deus. Grün fala da oração como um encontro: com Deus,  consigo mesmo e com o próximo. Gerardus van der Leeuw, teólogo holandês,  diz que a oração é essencialmente um diálogo. Ambos parecem estar  fazendo eco a Clemente de Alexandria que disse: “orar é manter companhia  de Deus.”
 
 Em seu livro sobre oração, Caio Fábio diz que a oração é “o único  meio pelo qual se pode genuinamente desenvolver uma sadia visão de Deus,  da Igreja, do mundo e da missão do povo de Deus na história. (…) Sem  oração, a vivência da fé não passa de reflexão banal ou presunçosa ação.  (…) A oração é a forma mais dramática de manifestar o desejo pela  presença de Deus na vida. (…) A oração é o mais forte instrumento de  afirmação do Ser. Quem ora, fala com o Ser dos seres e com Aquele que é a  origem de todos os seres que sabem que existem.”
 
 Se orar é tudo isso, por que não oramos, ou oramos tão pouco?
 
 Talvez porque, como diz James Houston em Orar Com Deus, “se achamos  difícil formar relacionamentos duradouros com nossos semelhantes,  acharemos muito mais difícil nos relacionarmos em qualquer profundidade  com Deus, ao qual não podemos ver.”
 
 
Se Deus sabe tudo, por que orar?
 
 A Bíblia apresenta Deus como conhecedor de todas as coisas. A  despeito do que especulam certos teólogos modernos, é impossível ler a  Bíblia e não perceber Deus como Aquele que sabe tudo, diante de Quem não  existe nada encoberto. Anselm Grün reconhece esta tensão entre o  conhecimento de Deus e a oração ao dizer: “Deus certamente sabe tudo e  não tem necessidade da minha oração, mas eu necessito dela.”
 
 Caio Fábio diz: “Deve-se orar porque mediante sua prática o espírito  humano explícita de     maneira verbal o seu desejo de Deus. Pela oração  a alma confessa sua     fome da divindade. Pela oração o Ser humano diz  a Deus o quanto o Criador e Redentor é objeto da satisfação dos anelos  mais profundos da criatura redimida e consciente do seu criador.”
 
 Deus não precisa da minha oração. Sou eu quem precisa dela. A oração  me aproxima de Deus, revela minha dependência, minha fome e sede por Sua  vontade, seu Reino, sua pessoa. A oração muda principalmente a mim –  minha visão de Deus, do próximo, das circunstâncias. Esta foi a resposta  dada por C.S. Lewis quando lhe questionaram sobre o por que ele orava  em favor de sua esposa com câncer.
 
 Richard Foster, que é famoso pelos seus livros sobre espiritualidade,  diz que “a oração é a principal de todas as disciplinas espirituais”  pois ela “nos leva ao agir mais profundo e elevado do espírito humano.”  Segundo ele, “orar é mudar” e “a oração é a principal via usada por Deus  para nos transformar”. Para Anselm Grün, mesmo a intercessão, a oração  pelo próximo, transforma em primeiro lugar a mim mesmo. “Vejo o outro  com novos olhos, não mais a partir da minha raiva ou da minha desilusão,  e sim a partir de Deus.” A oração “torna possível uma nova comunhão.”
 
 
Como orar?
 
 Tendo explorado o tema da oração como um encontro com Deus que, mesmo  conhecendo tudo a nosso respeito, nos convida a falar com Ele para que  sejamos transformados no processo, resta-nos considerar algumas  sugestões de como orar, baseado na narrativa de Lucas 18.
 
 Primeiro, proponho que devemos orar como alguém que entende sua total  dependência de Deus. Os personagens na narrativa de Lucas 18 são  totalmente dependentes de justiça (viúva), perdão (pecador), amor e  cuidado (criança) e direção (cego).  A oração é uma forma de confissão  de nossa insuficiência, de nossa limitação, de nossa incapacidade de  lidar com os dramas e mistérios da vida.
 
 Segundo, proponho que nossa oração deva ser caracterizada pela  insistência (perseverança) da viúva, a contrição do pecador, a inocência  da criança (sem formalismos) e a fé do cego.
 
 Terceiro, proponho que a oração deve ser acompanha das Escrituras. P.  T. Forsyth disse que “o estudo da Bíblia e a oração caminham de mãos  dadas. O que recebemos pela mensagem da Bíblia, devolvemos a ele com  interesse em oração. A oração é para nós, paradoxalmente, uma dádiva e  uma conquista, uma graça e  um dever.” Precisamos recuperar a arte de  aprender a orar com os Salmos, o livro de oração usado pelo próprio  Senhor Jesus.
 
 Finalmente, concluo com as palavras de Caio Fábio: “Coincidentemente,  os cristãos mais maduros que eu conheço são aqueles que mais oram. De  fato, penso que há uma coincidência entre oração e maturidade humana. Ou  seja: uma incide sobre a outra. O ser humano se torna mais humano  quanto mais ele contemple o Criador.”
 
 (Sermão pregado por Sandro Baggio no Projeto 242 em 01 de Maio de 2011)
De Projeto 242